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sexta-feira, 13 de maio de 2011

Reflexão sobre o poema Tecendo a manhã (João Cabral de Melo Neto) e o IBGE

Tecendo a manhã(João Cabral de Melo Neto)

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Reflexão
Esse poema, em nosso entender, é um manifesto contra o individualismo desumanizador que atormenta a sociedade atual. João Cabral de Melo Neto vai na contra-mão do atual momento histórico, em que as relações de consumo e a extrema concorrência entre as pessoas parecem ser os princípios que norteiam as ações de homens e mulheres que se formaram sob a égide de uma sociedade “alienada”, “alheia aos problemas coletivos”. Todavia, queiramos ou não, de uma forma ou de outra, nenhum indivíduo passa incólume à fome, à exploração, à falta de moradia, à falta de saneamento básico, a transportes públicos de péssima qualidade, à falta de escola, falta de cultura, falta de lazer, degradação ambiental etc.
Alguns desses problemas têm ligação com a forte desigualdade social, verificada, por exemplo, nos redimentos das famílias brasileiras. Somos 190.755.799 pessoas, entretanto, conforme demostra pesquisa do IBGE, 60,5% das famílias brasileiras (ou seja, 34,7 milhões de domicílios) sobrevivem com até um salário mínimo per capita (ou seja, por membro da família), em 5,1% das casas cada um dos membros da família tem à sua disposição, por mês, mais de cinco salários (ou seja, no mínimo R$ 2.725, levando-se em consideração o atual salário mínimo, de R$ 545).
Por outro lado, infelizmente, 4,3% das famílias vivem sem rendimento algum. Isso significa dizer que nada menos do que em 2,4 milhões de lares a sobrevivência depende exclusivamente de doações ou “bicos”. Tal situação é ainda mais grave no Nordeste, o percentual de famílias que vivem com renda per capita inferior a um mínimo é de impressionantes 80,3%; no Norte, 75,2%.
As condições em que vivem os brasileiros refletem bem essa desigualdade, metade das casas não tem esgoto, isso significa que apenas 55,5% da população brasileira tem acesso a este serviço fundamental para a saúde e qualidade de vida. Outro dado alarmante é que nada menos do que 3,5 milhões de domicílios brasileiros (6,2% do total) não têm sequer um único banheiro. Transformado em indicador bizarro da divisão de classes, a contagem dos números de banheiros revelou que, do “outro lado”, a situação é bem distinta: um pouco mais de três milhões de famílias vivem em casas com três sanitários e outras 1,2 milhão têm quatro ou mais acomodações.
Destaca-se também, no censo do IBGE de 2010/11, os dados sobre o acesso à energia elétrica. Somos o país que se caracteriza por ser “sétima potência econômica do mundo”, no entanto, 728.512 famílias vivem sem qualquer tipo de acesso à energia elétrica. A situação só não é pior porque outras 550 mil famílias (um número pra lá de subestimado) deu um “jeitinho”, fazendo “gatos” (instalações ilegais) em suas residências.
Na educação, os dados mostram que precisamos melhorar, e muito. Temos no Brasil 14 milhões de analfabetos: o número de brasileiros com 15 anos ou mais que não sabem ler ou escrever (13,9 milhões) corresponde a 9,63% da população (em 2000 eram 13,64%). Mais uma vez o Nordeste é a região com a pior situação (19,1%), seguida do Norte (11,2%), do Centro-Oeste (7,2%), do Sudeste (5.5%) e do Sul (5,1%). Na faixa dos que têm mais de 60 anos, a média nacional chega a 26,5%
Devemos também ter vergonha do tratamento que as crianças brasileiras vêm recebendo de nossas autoridade: 132.033 domicílios são “chefiados” por brasileirinhos entre 10 e 14 anos de idade. E, desta vez, é o Sudeste que lidera o “ranking da barbárie”: na região mais rica do país, 62.320 famílias dependem da renda de crianças. E mais, país afora, outras 661.153 famílias são dependentes do trabalho de jovens entre 15 e 19 anos.
No âmbito mundial, a desumanização das pessoas chega ao extremo. Dados da Organização das Nações Unidas-ONU, indicam que 800 milhões de pessoas, sendo 200 milhões crianças, vão dormir todas as noites sem ter ingerido os alimentos necessários à saúde. Por conta disso, 11 milhões de crianças morrem anualmente por doenças relacionadas à desnutrição. A maioria dessas mortes poderia ser evitada!
É urgente! Todos os explorados, todos aqueles que se sentem verdadeiramente indignados, ao ver ou saber que um ser humano, adulto ou criança, deixou de viver por não ter um pão, leite, arroz, feijão ou qualquer coisa que mantenha o sopro da vida, devem lutar para tecer um novo amanhã.
(Alessandro Rubens de Matos)

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