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terça-feira, 10 de maio de 2011

PROPOSTA DE TEXTO PARA O DIA DA LEITURA
Com esses textos é possível debater diversos temas, tais como: Ética, Luta de Classes Sociais etc.

A COTOVIA E OS SAPOS (ADAPTAÇÃO LIVRE DE UMA FÁBULA CHINESA)
Era uma vez uma sociedade de sapos que vivia no fundo de um poço escuro e profundo, do qual absolutamente nada se via do exterior. Eram governados por um enorme Sapo-Chefe, um valentão que afirmava, sob pretextos um tanto dúbios, ser dono do poço e de tudo quanto nele saltava ou rastejava. O Sapo-Chefe jamais movia uma palha para se alimentar ou se manter, vivendo do trabalho de diversos sapos trabalhadores com os quais partilhava o poço. Essas pobres criaturas passavam todas as horas de seus dias escuros e muitas de suas noites tenebrosas a se matar na umidade e no lodo para encontrar os vermes e os insetos que engordavam o Sapo-Chefe.
De vez em quando, uma cotovia excêntrica voava para dentro do poço (sabe Deus por quê!) e contava para os sapos as maravilhas que vira em suas viagens pelo imenso mundo lá fora. Falava do sol, da lua e das estrelas, das montanhas altaneiras, dos vales férteis e dos vastos mares, e ainda da delícia de explorar o espaço infinito.
Sempre que a cotovia chegava de visita, o Sapo-Chefe recomendava aos sapos trabalhadores que escutassem atentamente tudo o que o pássaro tinha para contar. “Ela lhes está falando”, explicava o Sapo-Chefe (que, de qualquer modo, era meio surdo e nunca sabia direito o que a cotovia estava dizendo; achava aquela ave esquisita e inteiramente maluca), “da terra feliz para onde vão todos os sapos bons...”
É possível que um dia os sapos trabalhadores se houvessem imbuído daquilo que o Sapo-Chefe lhes dizia. Com o tempo, porém, haviam se tornado céticos em relação aos contos da carochinha e chegado à conclusão de que aquela cotovia tinha um parafuso a menos. Além disso, haviam sido convencidos por alguns sapos livre-pensadores de que aquele pássaro estava sendo usado pelo Sapo-Chefe para consolá-los e distraí-los com histórias das maravilhas que existem no céu para os que morrem. “E isso é mentira!”, coaxavam furiosamente os sapos trabalhadores.
Entretanto, havia entre eles um Sapo-Filósofo que formulara uma idéia nova e interessante a respeito da cotovia. “O que a cotovia diz não é exatamente uma mentira”, dizia ele. “Nem é loucura. Na verdade, ao falar dessa maneira esquisita, ela está se referindo ao lugar maravilhoso em que poderíamos transformar esse poço, se quiséssemos. Quando fala do sol e da lua, está se referindo às magníficas formas de iluminação moderna que poderíamos adotar para afugentar as trevas em que vivemos. Quando canta os céus altos, refere-se à saudável ventilação de que deveríamos gozar, ao invés dos ares úmidos e fétidos a que nos acostumamos. Quando louva a embriaguez que vive ao lançar-se pelos céus, refere-se à delícia dos sentidos liberados que todos nós conheceríamos se não fôssemos obrigados a desperdiçar nossas vidas nesta labuta opressiva. E o que é mais importante: quando a cotovia enaltece o vôo altivo das estrelas, refere-se à liberdade que todos teremos quando nos livrarmos da opressão do Sapo-Chefe. Veem? Não devemos desdenhar do pássaro. Em lugar disso, ele deve ser apreciado e louvado por nos proporcionar uma inspiração que nos livra do desespero.”
Graças ao Sapo-Filósofo, os sapos trabalhadores passaram a olhar a cotovia com afeição. Na verdade, quando chegou afinal a revolução (pois as revoluções sempre acabam vindo), os sapos trabalhadores até mesmo pintaram a imagem da cotovia em seus estandarte e marcharam para as barricadas fazendo o máximo que podiam para, com o seu coaxar, imitar-lhe o belo canto. Derrubando o Sapo-Chefe, o poço escuro e úmido e úmido tornou-se magnificamente iluminado e ventilado, transformando-se num lugar muito melhor para viver. Além disso, os sapos experimentaram um novo e gratificante lazer, acompanhado de muitas delícias dos sentidos – justamente como o Sapo-Filósofo havia previsto.
Entretanto, a cotovia continuou a visitar o poço, contando histórias do sol, da lua e das estrelas, de montanhas, vales e oceanos, e de esplêndidas aventuras que vivera nos céus. “Quem sabe – conjeturou o Sapo–Filósofo – se afinal de contas esse pássaro não seja mesmo louco? Já não temos necessidade alguma dessas canções enigmáticas. E, seja como for, é muito cansativo ter de escutar fantasias quando já perderam sua relevância social”.
Assim, um dia, os sapos conseguiram capturar a cotovia. Depois, empalharam-na e colocaram no recém-construído cívico (entrada gratuita...) em lugar de honra.

Dicionário
Cotovia: As cotovias vivem na Europa, Ásia e África do Norte. As que vivem na parte mais oriental têm movimentos migratórios mais acentuados em direção ao sul, durante o inverno. As aves que vivem na área médio-ocidental da área referida movem-se também na direção de terras baixas e zonas costeiras durante a época fria. Habitam preferencialmente espaços abertos, cultivados ou baldios. São conhecidas pelo seu canto característico. O seu vôo é ondulante, caracterizado por descidas rápidas e ascensões lentas alternadas. Os machos elevam-se até 100 metros ou mais no ar, até parecer apenas um ponto no céu e então descrevem círculos e continua a cantar. São difíceis de se distinguir no chão devido ao seu dorso acastanhado com estrias escuras. O seu ventre é pálido, com manchas alvacentas. Alimentam-se de sementes. Na época do acasalamento, acrescentam ao seu regime alimentar alguns insetos. Têm cerca de 15 cm de comprimento.

ESTATUTO DO HOMEM(Tiago de Mello)

Artigo I. Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e que de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II. Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III. Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV. Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V. Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI. Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII. Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII. Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor. Artigo IX. Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X. Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.

Artigo XI. Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII. Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII. Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964

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